Designer Drugs e a permanência do gótico americano: entre o pop e o subversivo

“As a genre, the gothic is characterized by the themes of death, destruction and decay, haunting and imprisionment, the powers of horror, and the erotic macabre” (Steele, 2009)

Em sua obra de 1997, Nightmare on Main Street, o crítico literário Mark Edmundson aponta a permanência de elementos góticos na cultura popular norte-americana dos anos 90 e no mainstream cinematográfico (como no oscarizado Silence of the Lambs)  e especialmente de programas de televisão cravejados de figuras freaks e vilões – desde programas de auditório, reality shows, até programas supostamente jornalísticos, além da cobertura da mídia sobre casos no mímimo estranhos e bizarros como OJ Simpson e Tonia Harding. O lado “dark” da América com seus assassinos em séries, palhaços satânicos e crimes midiáticos – que também está presente nos ensaios de The pyrotechnique Insanitarium de Mark Dery (1999) – representa para o autor, uma atualização para os anos 90, do que muitos críticos denominam de  “gótico americano”, ou seja, o elemento diferencial dessa narrativa na identidade norte-americana, uma vez que a transposição do gênero (ou modo discursivo e estético como apregoam outros autores ) da Inglaterra para os EUA.

Poe foi o grande representante dessa transição alegórica na literatura estadunidense, e, desde então o termo carrega uma conotação de “narrativa nacional” enquanto “campo discursivo no qual o ´self´ metonímico nacional é desfeito pelo retorno da sua alteridade reprimida (…) em uma poética de desmantelamento do sujeito nacional e em uma estruturação narrativa na qual o leitor encontra-se na fronteira da dissolução simbólica.”  (Martin & Savoy, 1998) O “gótico americano” diz respeito igualmente à vida no campo e seu bucolismo decadente, como  no clássico quadro American Gothic , de 1930, quanto às grandes metrópolis sombrias e distópicas representada pela Los Angeles futurista e decadente de Blade Runner, por exemplo; ou mesmo o subúrbio aparentemente pacato no qual emergem patologias e estranhamentos, visitados tanto pelas franquias dos filmes B de horror quanto pelas lentes não-convencionais de David Lynch ou dos surtos das Desperate Housewifes.

American Gothic, Grant Wood, 1930

O modo literário tipicamente gótico é calcado na dicotomia “entre o psicológico e o social em sua exploração do interior versus exterior (…) ou como afirma Veeder (1998), que “entre todos os gêneros de ficção, o gótico aquele que se preocupa mais intensamente com as emoções reprimidas e a exploração de questões sociais de forma simultânea e que através do processo de subversão/ transformação” apresentado no plot, ele acaba tendo sua permanência garantida pelo popular e pelo subversivo ao mesmo tempo, retornando de uma nova forma a cada  geração.

Na geração pós-punk (do final dos 70 aos 80), por exemplo, essa representação aconteceu através da constituição de uma subcultura ancorada tanto nos preceitos literários, mas amplificando o poder desse tropos em uma estética visual e sonora (o gothic rock e outras vertentes), cujas características intermináveis perduram oscilando entre a atração e a repulsão, entre a diversão e a decadência (Grunemberg, 1997). No âmbito da moda, Spooner (2004) afirma que essa força persistente e duradoura do ethos gótico é derivada da potência de auto-identificação das imagens, umas vez que “as roupas são vida e estilo de vida” e merecem, portanto, ser celebradas.

Foi a partir de algumas dessas especulações que em uma madrugada dessas comecei a observar o vídeo “Drop Down” da dupla novaiorquina de música eletrônica Designer Drugs. A começar pela escolha do nome do projeto, o imaginário pop e subversivo ao mesmo tempo se faz presente. Designer drugs foi um termo criado nos anos 80 para designar drogas sintéticas derivadas de drogas controladas (remédios), normalmente produzidas por “químicos de rua”. Não coincidentemente, foi um elemento bastante utilizado na literatura do período (Bret Easton Ellis e outros), inclusive pela geração cyberpunk. O vídeo ressignifica os temas centrais do gótico como a duplicidade vida/morte (a juventude/ o cemitério), destruição/ decadência (a invasão, vandalismo ao cemitério, – local de paz no imaginário coletivo – por um grupo pesadamente vestido de preto e couro que carrega uma bandeira).

O ataque às imagens religiosas (o peixe, símbolo do cristianismo; as cruzes; as estátuas e lápides), a assombração e a prisão dos rostos cobertos pelos véus (que pela tradição vitoriana serviam para a não demonstração da dor no momento do luto, no caso da roupa preta; e para proteção contra a inveja das outras mulheres no caso do branco do véu de noiva, em um intertexto com a moça vestida de branco). A presença do horror (a gilete, o véu vermelho representando o sangue) e a queda da mulher de branco ora emulando uma religiosa, ora aprisionada como uma noiva cadáver em uma erotização “macabra”. Os tons preto, branco e lilás constroem a atmosfera do vídeo, enquanto a sonoridade ácida do vocal soturno em loop como um pseudo-canto medieval servem como figuração luxuosa da escalada hipnótica das batidas quebradas do electro.

Os cabelos negros e esvoaçantes do grupo de pessoas estão em harmonia com os panos  das roupas que pendem dos corpos magros e quase zumbis do grupo de decadentes. Em um plano mais geral, em frente a uma lápide familiar, a dupla de produtores Michael Vincent Patrick e Theodore Paul Nelson em seu visual de fusão hipster-indie-nerd-trevoso observa a tudo, como se ao cantar a única frase da canção, o “refrão” “drop down and give it to you”, se auto-intitulam os narradores da seqüência de acontecimentos que culmina com a bandeira preta tremulando no alto de uma capela – e era para o altíssimo céu que as catedrais góticas apontavam – e um punho enluvado em riste representando a subversão/transformação.

Se nos 80 e 90 o cemitério era o local de reunião e sociabilidade de muitos adeptos da subcultura gótica, nos anos 10 ele é mais um local a ser ressignificado para a subversão da vida. O “gótico americano” da grande megalópole (NYC) e a mesmo tempo do subúrbio (segundo informações na página do Facebook da dupla, a locação do vídeo foi um cemitério perto de New Jersey) sobrevive a mais uma década se transmutando entre a moda, a música, a decadência e a alteridade, e reconfigurando outros modos discursivos de ser pop e subversivo ao mesmo tempo. Não é pouco para um gênero que assombra a cultura contemporânea feito um zumbi e se alimenta das patologias, repressões e paranóias da sociedade de cada época. Se assim for, a flâmula negra continuará sendo hasteada por mais algumas gerações… (I do hope so)

Revista A Bordo da Comunicação

Muito boa a iniciativa de alguns estudantes de comunicação de diversas instituições (publicidade, marketing, relações públicas, etc) e também profissionais que participam do projeto colaborativo A Bordo da Comunicação , que é um blog e  uma revista cuja ênfase está na comunicação corporativa digital. Boas pautas, entrevistas, matérias, dicas e uma diagramação eficiente e bonita. Abaixo, a 2a. edição na qual a temática é Imagem e opinião pública nas novas mídias.