Fandom: a gift culture
A partir desse mês, o blog conta com algumas colaborações especiais sempre que houver demanda. E já começamos em alto nível com uma temática central nas pesquisas que tenho desenvolvido: a cultura dos fãs. Minha orientanda de Mestrado, Camila Monteiro (jovem pesquisadora que desenvolveu Iniciação Científica e o seu TCC na UCPel sobre cyberfandoms) , @camisfm, esteve presente na discussão sobre fandoms com Nancy Baym, ocorrida no dia 18 de maio no Oi Futuro, Rio de Janeiro. Confiram ai:
Vamos falar de coisa boa? Vamos falar da abertura do OiCabeça que aconteceu na última quarta-feira. Nancy Baym, Mauricio Motta e Pedro Carvalho, juntos, discutiram sobre o universo dos fãs. Nancy abordou o possível fim da era dos críticos, e consequente ascensão dos fãs, Maurício focou no valor desses fãs e Pedro contou sua experiência com a cultura pop japonesa.
Mauricio, fã/discípulo de Henry Jenkins – ele escreveu o prefácio de Cultura da Convergência na edição brasileira – começou a discussão abordando o valor do fã. Ele, que trabalha nos Alquimistas, cujo foco é justamente “contar histórias” (storytelling) em plataformas transmidiáticas, ressaltou a importância do que ele chama de “fandom drivers”, incluindo a análise das práticas desses fãs, combinadas com gerenciamento e estudos aprofundados sobre os grupos. A fórmula dos alquimistas seria: histórias + fãs + plataforma + marca.
Para o “alquimista”, qualquer um pode ser fã, mas algumas pessoas tem disposição fanática (alou Adri). Ele ainda lembrou a importância do consumo coletivo, da criação de comunidades e aproximação entre fãs. Esses fãs utilizam a cultura popular para criar uma identidade, construir sua individualidade.
Por fim, Maurício frisou que ser fã não é consumir individualmente, ou seja, não basta consumir, temos que dividir o pão. Além disso, ele fez uma propaganda básica do livro novo do Jenkins com o Burgess – aquele do livro do youtube – que deve ser lançado ainda esse ano, cujo tema será a viralização (spreadability). E também falou do livro de Ana Domb, Tacky and Proud: Brazil’s tecnobrega audiences (fiquei extremamente curiosa para ler esse trabalho).
Finalizada a explanação de Mota, que contou com uma série de slides diferentes e a apresentação de um vídeo mashup de Tropa de Elite combinado com algumas noções/gozações da cultura da convergência, Baym começou sua fala, um tanto envergonhada com os slides “sem graça” que iria apresentar – palavras da própria.
Muito simpática – a cara da Bjork – Nancy abriu a palestra com a pergunta: estaríamos vivendo o fim da era dos críticos e o inicio da ascensão dos fãs?
A autora iniciou a discussão com uma espécie de linha do tempo/esquema sobre como funcionava a disseminação de conteúdo antigamente: os gênios – insira aqui Dickens, exemplo utilizado pela autora – produziam em silêncio, praticamente reclusos; a mídia disseminava esses trabalhos, divulgando para um grande número de pessoas; os críticos falavam aquilo que tínhamos que ver, são ouvidos e olhos para nos guiar e por fim a audiência, tida como solitária, única e exclusivamente consumidora.
Felizmente, isso mudou, e muito nas últimas décadas. Nancy ressalta que a audiência sempre foi social, não somente os fandoms, e que a mídia é que teve dificuldade de enxergar essa dinâmica. Essa interação entre fãs não é nova, sempre existiu, mas só agora está chamando atenção dos grandes conglomerados midiáticos.
Baym no decorrer de toda palestra lembrou que a peça-chave para o entendimento dessa cultura dos fãs é a relação estabelecida entre cada individuo do grupo. Ser fã é se relacionar com o outro, muito mais do que apenas gostar de uma banda, de um seriado ou de um filme. Nancy considera a cultura dos fãs, uma “gift culture”, onde a troca é crucial para a construção de amizades, a base desses grupos.
Assim, ela citou cinco valores dos fãs que traduzem o engajamento desses grupos:
- Informação
- Troca de bens (troca social)
- Emoção
- Interpretação
- Criatividade
A autora ainda reiterou que sentir as emoções junto com outros fãs é o que realmente importa e comentou sobre um trabalho de campo que fez com uma comunidade de fãs americana de uma banda independente, que combinou de se reunir em um show, com identificações, e que apesar de a banda ter sido o elo do grupo, ficou em segundo plano, pois as amizades haviam se consolidado e o que as fãs mais queriam era se conhecer pessoalmente e trocar informações umas com as outras.
Baym fez questão de salientar a importância da mídia – cada vez mais diversificada – em dar voz a esses grupos, facilitando os processos interacionais. Ela cita a comunicação entre fãs de países diferentes, antes improvável e agora cada vez mais comum, a oportunidade de novos fluxos globais de informação, o contato direto com os famosos, permitindo conversações entre fãs/ídolos, e minando um pouco o lado inatingível dessas pessoas e a infraestrutura oferecida por fóruns, blogs, wikis, que são facilmente modificadas, permitindo que pessoas com pouco conhecimento dessas ferramentas, possam utiliza-las sem maiores problemas.
Finalizando sua fala, Nancy expôs que os fãs acabam se tornando uma espécie de curadores de conteúdo, ameaçando a função dos críticos. No entanto a autora não acredita no fim da era dos críticos profissionais. Ela ressaltou que os meios de comunicação de massa tradicionais como televisão e rádio, continuam atingindo um maior número de pessoas, e sendo importante referência de sucesso – Burgess, autor que eu falei lá no inicio, do livro do youtube e do Jenkins, fala sobre a importância de ingressar na mídia tradicional. Uma banda por mais independente que seja, só é considerada mundialmente famosa, quando emplaca singles em rádios, videoclipes na tv, capa de revista, tornando-se mainstream.
Enquanto isso, os fãs criam fanfics, fanarts, wikis, mashups de vídeos, e uma série de outros materiais próprios, apropriados, reinventados, reconstruídos, descontruídos, remediados, etc..
Assim, Nancy Baym, extremamente simpática e piadista – enquanto o youtube travava, ela nos entretia – finalizou a apresentação de suas ideias, com três perguntas: a) Como vai ser a relação entre esses grupos de fãs? B) Como combinar os críticos “velhos” com os fãs? C) Como a economia de consumo/market economy vai coexistir com a economia de troca/gift economy? Como proposta inicial para pensar nessas perguntas, a autora acredita que um balanço entre audiência, fãs e críticos deve ser discutido com mais profundidade, mas que isso é só o começo..
Por Camila Monteiro