Sobre desistir, aleatoriedades e caos

Choose Life. Choose a job. Choose a career. Choose a family. Choose a fucking big television, choose washing machines, cars, compact disc players and electrical tin openers. Choose good health, low cholesterol, and dental insurance. Choose fixed interest mortgage repayments. Choose a starter home. Choose your friends. Choose leisurewear and matching luggage. Choose a three-piece suit on hire purchase in a range of fucking fabrics. Choose DIY and wondering who the fuck you are on Sunday morning. Choose sitting on that couch watching mind-numbing, spirit-crushing game shows, stuffing fucking junk food into your mouth. Choose rotting away at the end of it all, pissing your last in a miserable home, nothing more than an embarrassment to the selfish, fucked up brats you spawned to replace yourselves. Choose your future. Choose life… (Trainspotting)

Não se preocupem, esse post não é sobre desistir da vida. Também não vou jogar tudo para o alto e virar hippie (não nessa vida por favor, ninguém me obriga a usar sandalinha de couro e saião e cantar a detestável Janis Joplin. Mais facil eu enlouquecer em uma masmorra ou em uma fabrica abandonada ouvindo :wumpscut). Esse post é sobre algumas coisas que vieram a minha mente após ter lido o texto inquietante da Aline Andrade intitulado Quando chega a hora de desistir. Fiquei pensando o quão diametralmente oposta estou no espectro e, ao mesmo tempo tão próxima. A vida acadêmica e suas agruras é parecida e diferente para pessoas tão distintas e sim, renderia bons produtos ficcionais, sejam livros, seriados ou filmes. Eu sempre quis escrever um sitcom com as situações bizarras e surreais que já passei – e não foram, nem são, poucas. De qualquer forma essa é uma realidade ainda pouco explorada pela TV (atenção diretores e produtores da HBO, GNT etc temos material de sobra, #chamanóis).

No texto Aline descreve com bastante acuidade algumas situações que todo mundo que já fez concurso ou prestou seleções conhece ou já ouviu. A vida acadêmica é bastante randômica e aleatória, apesar de todo o discurso meritocrático e peer review que contamos para nós mesmos o tempo todo. O caos no fim das contas acaba determinando alguns acontecimentos muito mais do que as escolhas que acreditamos fazer.

Eu por exemplo, decidi que seria jornalista com sete anos de idade porque gostava de escrever e porque era fã dos repórteres heróis dos quadrinhos (Homem Aranha, Superman). Ao contrário de todos  meus colegas, durante o segundo grau (é ensino médio agora né? Acho que estou passando atestado de tiazona) eu não tinha nenhuma dúvida sobre qual graduação cursar. Mas meu último ano antes da faculdade foi caótico, aconteceram coisas que me tiraram do prumo e acabei fazendo um pouco de Letras, porque amava literatura de língua inglesa. Amava o curso (lingüística, teoria literária) mas não me via sendo professora. Olhem a ironia da vida. Hoje sou professora.

Um semestre depois entrei no jornalismo (levei ambos os cursos por um tempo mas não rolou) com a missão de trabalhar pra uma revista de música. Era esse meu ponto. Não tinha a menor vontade de escrever sobre buraco da rua, política (meu niilismo ja me fazia odiar ideologias de variados espectros) ou hard news. E la no andar do curso o que aconteceu? Primeiro que passei a gostar e andar com os amigos publicitários que ouviam música eletrônica – a maioria dos estudantes de jornalismo faziam a linha roqueirinho classico que naquele momento eu achava um saco –  e traziam novidades ao contrário dos colegas marxistas (rs)  que só reclamavam de tudo. Segundo, me tornei bolsista de IC e entrei num grupo de pesquisa em semiótica. Minha ideia era terminar o curso e ir para SP, achar meu lugar na “imprensa musical” (para a qual eu até frilei). No entanto, uma série de problemas familiares (doenças e um namorado que nunca se formava) me prenderam em POA.

Assim, um ano depois de formada eu efetivamente decidi entrar no Mestrado com a ideia de pesquisar cinema/audiovisual. Apresentei um artigo em um renomado congresso nacional específico da área sobre um filme que eu achava bacana, um filme cuja música era o epicentro. Ninguém comentou absolutamente nada sobre o meu texto, nem pra xingar, nem para fazer polêmica, nem para dizer que era um lixo. Foi uma deprê. Paralelo a isso eu trabalhava nessa área com alguns freelas e não me via passando a vida a debater sobre Glauber Rocha e outros cânones dessa área. Não era pra mim. Não foi consciente, mas retomei meu projeto de mestrado e acabei de uma forma um tanto tangencial falando sobre fãs. Um belo dia quando estava quase ao fim do mestrado (uma época muito difícil na minha vida pautada pela depressão e por uma sucessão de relacionamentos afetivos fracassados) decidi que tentaria o doutorado, afinal eu queria mesmo seguir na academia. Mesmo que nada estivesse dando muito certo naquele momento enquanto 60% dos meus colegas já dava aulas, tinha empregos no mercado e pareciam estar se encaminhando na vida.

Eis que num desses dias, Neuromancer do William Gibson cai na minha mão e assim surge meu projeto de doutorado. De forma completamente aleatória porque eu li algo sobre The Wanderer (uma canção do album obscuro Zooropa) e a relação dele com o livro e fui investigar. E assim entrei no doutorado, uma época igualmente complicada em que o país atravessava um período em que praticamente não haviam concursos em federais, tinham poucas bolsas, etc etc. Tudo muito diferente do cenário recente. Fiz doutorado com bolsa parcial , fazia freelas, traduções, me virava nos vinte e poucos enquanto meus colegas conseguiam empregos nas universidades particulares da região, compravam apartamentos, carros, viajavam nas férias de verão. Eu vivia uma vida com pouquíssima grana – não monástica porque não tenho menor vocação de não sair pra rua rs – e chegava a duvidar que conseguiria emplacar meu tema. Um dia, vou até a biblioteca e remexendo numa estante um livro da área de teoria literária literalmente cai no meu colo, um livro que continha um artigo que me ajudou a encontrar a hipótese da minha tese e que gerou um artigo com qual fui aceita pela primeira vez no congresso da Compós, que segundo diziam todos, era importante. Paralelo a isso, teve uma novela do doutorado-sanduiche em que eu quase não fui ( as bolsas eram muito escassas) e mais um monte de complicações que por si só dariam um livro, até coleguinha ironizando “pesquisar scifi” e burocracias que pareciam estar contra mim. No fim, acabei viajando e foi uma das melhores experiências que eu tive. Quando voltei ao Brasil começou a me bater o desespero, afinal o que eu faria da vida? Não haviam concursos, as contratações estavam escassas. O desespero batia a minha porta.

True life begins behind the border
That exists inside your head
You will never reach deep waters
And get away from there
Take a look around
And look at what you have
But you will never reach deep waters
If you do not change yourself

True Life – Lights of Euphoria

O fato é que defendi a tese e por mais uma dessas aleatoriedades da vida um mês depois disso estava em outra cidade, em outro estado, empregada em um PPG e morando junto com o namorado que na real eu conhecia muito pouco. Dali para adiante tudo estava resolvido? No way baby. Daquele dia em diante comecei a planejar a estar em um lugar melhor ou mesmo mais perto da familia e dos amigos. Apesar das dificuldades, fui sobrevivendo, criei redes com outros pesquisadores que admiro fora da cidade (aka centro do país) – , fiz amizades fora do circuito acadêmico, organizei festas, discotequei – e pasmem até ganhei alguns trocados com isso – enfim fiz um monte de coisas que alguns diziam não ser compatíveis com a “nova vida séria” que eu tinha. Fui julgada até porque usava uma pasta da Hello Kitty, o que convenhamos, nunca afetou minha produtividade #shoremhaters.

Enquanto isso, fui tocando as pesquisas e mirando num futuro, mirando em empregos melhores, trabalhando finais de semana, feriados, não tirava quase férias, tive 2 empregos por dois anos. Aos 34 anos e ao final do meu último ano naquela cidade obtive a Bolsa de Produtividade do CNPq. Mission almost accomplished.  Obviamente tudo tem um custo e minha vida emocional – sanidade mental + casamento + amizades + familia – flopou das mais variadas formas imagináveis com direito a mortes, doenças e separação. Eu tinha 30 e poucos anos e postergava quase tudo. Tem tempo, deixa pra depois, não é o momento, vou enfiar a cara nesses pareceres, vou dar um curso no interior de sei la onde, vou dar uma palestra nos confins do brazyu. E assim seguia.

Após inúmeras tentativas, finalmente consegui mudar de cidade/emprego (e não era só mudar de emprego né, era pra alguma cidade com a qual eu tivesse mais afinidade e rumar para um PPG mais renomado com mais nota e que me permitisse captar mais recursos em editais, e uma série de outros itens. A régua havia subido). Fiquei feliz, afinal, meu plano havia dado certo – do alto da minha arrogância dos 30 e poucos achava que sim tudo tinha seguido meu plano. Em compensação havia uma cratera no meu RV – como dizia Sherry Turkle nos anos 90 para falar sobre o plano da vida offline, o Resto de Vida. E ai começou toda uma nova saga. De la para cá se passaram seis anos. Perdi minha mãe, fui pra terapia, me separei, comprei um apartamento (o lado “sonho classe média” rs que 90% dos meus colegas realizaram quando ninguém me deu emprego na minha terra natal foi finalmente resolvido) casei novamente – dessa vez de um jeito totalmente diferente – e fiz um pósdoc onde eu queria, provavelmente em uma das ultimas levas de bolsas para o exterior desse período “rhykho” das agências.

Confesso que à exceção do pósdoc que ja estava em um planejamento, todo o resto foi absolutamente singular. E mesmo as circunstâncias que me levaram a ele, a escolha do lugar, de tudo, acabou se dando de forma caótica e randômica. Talvez porque ao contrário do que eu pensava, fui sim fazendo pequenas desistências, como no momento em que larguei de mão minhas intenções de pesquisar cinema e me joguei de cabeça nas questões da cibercultura e dei sorte de estar ali quando uma subárea de estudos se formava. Eu desisti de algo para fazer outro. Foi doloroso, mas sei la. É preciso perceber nossos limites.É o que tenho pensado em relação ao meu modo de encarar a vida cheio de metas e objetivos tracejados. Talvez eles me dêem uma falsa sensação de segurança e no momento, me sinto um poço de dúvidas e hesitações Sempre tive muitas certezas e agora não, desconfio de tudo no qual um dia acreditei.

Tudo isso apenas porque outras questões me atormentam e me fazem pensar em desistir a respeito de decisões anteriormente fechadas.Como falei no início do post,  minha “assim chamada” carreira já está mais ou menos delineada. – ok é dificil manter e à medida que o tempo passa outros objetivos vão surgindo mas as coisas estão constituídas. Também acredito que se um belo dia eu resolver sair disso, vou sair pela porta da frente e me jogar em algum outro abismo tendo certeza que dei minhas contribuições e elas foram suficientes para os meus propósitos.

O que trato aqui é sobre estar sempre pensando no desenho que “as vidas” da gente formam. Quando falo as vidas é porque não é uma só, são várias em um curto período de tempo. No meu caso, acho que foi o Pollock quem jogou umas tintas na tela, pois quando penso que está tudo estabilizado, algum lado  resolve berrar ardentemente. E assim, talvez eu  precise retroceder, relevar, deixar estar, rever o que deixei de lado e o que priorizei e ver que there´s no going back. Não é possível pegar uma TARDIS ou um De Lorean e voltar no tempo. O caos fez com que eu chegasse  até aqui e talvez ele não permita que eu altere algumas estruturas já definidas em um determinado ponto sem que se quebre alguns cristais. Como em Suedehead do Morrissey: “I´m so sorry”. Eu realmente sinto muito. Eu queria ter desistido antes, ter desistido a tempo de não perder o baile. Mas, talvez não haja tempo suficiente em uma única vida humana para que a gente consiga preencher a maior parte das lacunas  e dos desejos. Para um ego leonino e para alguém que odeia desistir – sou dessas que costuma ir até o fim –  talvez isso seja um aprendizado extremamente doloroso. Talvez desistir seja também resistir e encontrar algum tipo de paz. Ou talvez todo mundo seja só trollado o tempo todo por essa bitch chamada vida que vem cobrar os débitos que julgávamos já ter pago. Tem dias que eu acho que deixei a comanda do bar do vida pendurada 20 anos atrás e agora ela veio cobrar tudo de uma só vez . De qualquer forma desistir também é parte do amontoado de aleatoriedades sem sentido que construímos para nós mesmos e talvez até nos salve de sentir menos dor.

 

50 dias

“Life moves pretty fast. If you don´t stop and look around once in a while you could miss it”. Essa é uma das citações mais conhecidas e paradigmáticas de Curtindo a vida adoidado (Ferris Bueller´s day off). Acho que de tantos filmes da minha geração, essa frase faz mais sentido a cada ano que passa, a cada aniversário que comemoro, a cada data em que observo essa passagem irreversível do tempo. Faz pouco mais de 50 dias que iniciei o período sabbathical bloody sabbathical aqui no Reino Unido e ainda não havia conseguido respirar e dar essa parada pra olhar ao redor.

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Morar em outro país, mesmo em um período de tempo não tão grande é sempre uma experiência formativa. No meu caso, sempre tive um enorme apreço pelas ilhas, sobretudo pela literatura e pela música alternativa que consumi em exaustão durante minha adolescência. Pois é, quem diria que todas aquelas horas na biblioteca lendo clássicos tipo Dickens, Austen, Byron, Wilde, irmãs Brontë, entre outros, enquanto meus colegas iam pras emocionantes e maravilhosas praias do Rio Grande do Sul em suas tchurminhas [insira aqui toda ironia possível]  me ajudariam a compreender ao menos em parte o ethos identitário brit e fizesse com que desde aquela época eu já tivesse uma certa afeição por tudo que diz respeito ao país. Depois disso, já estive aqui diversas vezes por conta de projetos de pesquisa, congressos e passeios, então sinto uma certa familiaridade mesmo que à distância.

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Foto do Tarsis Salvatore

Assim, sou uma estrangeira mas com vislumbres insiders. E a ideia de pesquisar aqui não é e nunca foi de subserviência, deslumbramento ou sobre “ser colonizada”, hashtag com a qual eu gosto de tirar sarro com quem não entende meu apreço por certos britanismos. Estou aqui aberta ao diálogo, lendo e observando coisas novas aqui produzidas, no entanto também trazendo articulações do que fazemos no Brasil, que em muitos casos não deixa nada a dever. Nos falta grana e possibilidades devido a diferenças econômicas, políticas etc, mas o diálogo é de igual para igual. Essa postura foi a mesma que adotei durante meu estágio de doutorado nos EUA e que adoto em qualquer congresso internacional.

O mais engraçado é que eu sofri mais bullying – não que hoje em dia ligue a mínima – em relação a temas ou objetos de pesquisa no Brasil – sobretudo durante meu doutorado por inumeros colegas – do que jamais sofri aqui. As humanas e sociais no Brasil em geral – e a comunicação também tem uma excessiva – ao meu ver que sou bem biased – subserviência a tudo que é teoria abstrata e parece distante da realidade. Parece que para passar no teste de “ser de humanas e fazer miçangas” é preciso ainda passar um “ar de olhem como estou distante do mundo e dos objetos e sou um autor complexo”,  independente do estado da arte da pesquisa, independente do que outras pessoas sejam latinos, sejam de quaisquer origem já escreveram. Ai você é considerado um super mega power über teórico, senão você é só um “pesquisador dos objetos”. Bem vindos ao meu clube, o clube dos mundanos, o clube dos que vivem os temas, o clube dos “não sou um intelectual, faço minhas pesquisas sobre os fenômenos que me mobilizam e me afetam”! Eu não sigo “linha teórica”, eu não sigo “autor”, eu me aproprio, eu remixo, eu dialogo, eu extraio tour de forces dos conceitos e os aplico a partir de dados e das minhas inferências e interpretações. Enfim, eu não divido as pesquisas por países ou por teoria X empiria, eu leio o que é pertinente aos meus temas e questões. Mas estou digredindo e esse é um outro assunto. É um problema da academia que muitas vezes se acha tão distante da moda, do mercado e do marketing, mas acaba sucumbindo aquilo mesmo que ela adora criticar,  e elegendo certos “best sellers”. Diga-se de passagem esse não é só um problema brasileiro, é um problema de todos os lugares, mas as vezes é mais opressivo no Brasil. Gente que lê apenas o autor da moda, gente que não cita trabalhos nacionais, gente que não dialoga com o que já foi escrito antes… enfim mas voltemos a vida aqui.

Por essas e outras eu tinha alguns planos em mente quando comecei a planejar esse sabático, ou eu retornaria aos EUA – mas iria para outra cidade –  ou viria para UK, mas como meus trabalhos nos últimos anos, sobretudo o que está relacionado à subculturas, fãs e metodologias tem um diálogo forte com as pesquisas daqui, optei por vir para a Inglaterra. O mais engraçado disso é que depois de tantas visitas ao norte, acabei morando no sul. Para quem não conhece, essas diferenças são muito mais do que meramente geográficas, são diferenças conceituais, de estilo de vida e que vem demarcadas naquilo que se faz mais vivo: o sotaque. Como dica, vale assistir a minissérie da BBC North & South que mostra essas diferenças na era vitoriana. São 4 episódios baseados no livro de mesmo nome da autora Elizabeth Gaskell.

A primeira vez em que estive no norte, mais especificamente em Manchester, em 2012, passei 15 minutos ouvindo um escocês e um mancunian falando em um pub quase bêbados sem entender praticamente nada. Era como se tivesse caído em outro planeta. Eu que me considerava boa em listening flopei miseravelmente rs. Com o tempo e as vindas fui me acostumando ao sotaque duro, aos tons mais altos ao R (érre) carregado que contém a história dessa gente de fibra, gente que trabalhou e lutou durante a revolução industrial, gente que criou o pós-punk e tudo mais. O sotaque do norte me lembra dois sotaques brasileiros: o do interior do RS, bem da fronteira; e do interior de SP com aquela abertura nos sons. Outra feita, em 2013, quando já estava acostumada ao “mancunian accent” passei um tempo debatendo com um vendedor de Liverpool, tentando entender e fruir aquela sonoridade que me soava cantada com os Beatles, cantada como Echo & The Bunnymen. Ou seria fruto do imaginário coletivo e de tanta música que ouvi na vida? Não sei dizer, mas foi divertido ouvir opiniões sobre Neymar e sobre o Brasil, uma percepção em que ele dizia ser “funky”, sim, somos funky porque precisamos sobreviver em uma instabilidade e isso nos dá um tipo de criatividade por um lado e por outro nos atrapalha.

Na minha recente viagem a Leeds e Bradford em agosto continuei observando os sotaques do norte, esse também diferentes do sotaque de Liverpool e de Manchester. Em Leeds , minha breve percepção me pareceu que o sotaque é um nortenho mais arrastado, mais lento e metálico como de Andrew Eldritch? Não sei, é dificil nao ser biased. E Bradford estava cheia de sotaques nativos e não nativos porque o povo que convivi no festival era cada um de canto, seja de UK ou de fora. No geral, fomos muito bem tratados no festival e eu realmente me senti parte de uma “comunidade de sentimentos” e afetos como fala o Benedict Anderson.

E ai me encontro aqui no sul, e os sotaques em geral são mais amenos, por vezes mais rápidos. Em Guildford e região tende a um inglês mais “padronizado”, ao menos no que tange os colegas de universidade – se bem que muitos deles não são dali. Londres não conta pq são tantos e inúmeros (ainda mais considerando os non native speakers como eu mesma por exemplo) que acho que nem uma vida toda daria conta desse mapeamento. Isso que nem estou fazendo aqui as demarcações sobre classe, que é todo um outro ponto, mas enfim, a língua e os sotaques são nossas mediações primeiras e principais com a cultura, isso não é novidade. Mas é bom poder perceber isso em outro país, observando e vivendo o cotidiano das inflexões, das dificuldades de comunicação quando por exemplo ontem no supermercado eu levei uns 5 segundos pra compreender uma piada/elogio do caixa indiano sobre a minha idade para estar comprando vinho.

Além desse fator, gostaria de destacar meu bom apreço à cultura dos parques, aos shows alternativos por um preço pagável (ainda tenho que fazer um post sobre o Electro London Festival) e das bibliotecas, extremamente fáceis de serem utilizadas e voltadas à comunidade. No meu bairro por exemplo, há todo um foco em autores e autoras negras e árabes. Na próximo mês vai ter toda uma programação sobre a questão dos escravos e pretendo assistir a um painel sobre negros na era vitoriana. Sim, quem me conhece sabe do meu apreço por essa era. Sem contar os cheiros de restaurantes mexicanos, árabes, portugueses, chineses, tailandeses, indianos, etc etc. Afinal, somos todos migrantes, somos todos de fora e estamos todos aqui. É tão fácil de compreender.

Sobre a pesquisa em si, estou me dando ao luxo de ler muita coisa mesmo e me deixar por ora um pouco sem um corpus definido e recortado. Exatamente o oposto do que venho fazendo nos últimos anos. Uma espécie de retorno  a um flanar pelos textos e livros. Obviamente que ja estou recolhendo alguns materiais empíricos, mas não quero me adentrar nessas questões agora.

Em Outubro tenho uma nova inserção de campo no Halloween do Whitby Gothic Weekend, antes disso tem um evento sobre Lovecraft em Manchester e em Novembro tenho duas palestras para dar uma na University of Surrey no seminário dos mestrandos e dos pesquisadores e uma na University of Salford em Manchester. Dezembro tem o grande evento sobre Ada Lovelace totalmente interdisciplinar em Oxford, que vou apenas assistir porque o prazo para envio ja havia encerrado, mas ha toda uma track sobre steampunk que creio será bem interessante.

E last but not least, hoje o Depto de Sociologia de Surrey ao qual estou vinculada como pesquisadora visitante recebeu a notícia de que a universidade como um todo está em primeiro no ranking do Guardian das 10 melhores universidades e o depto de sociologia aparece em terceiro lugar, ficando atrás de Cambridge e Bath. Como escrevi hoje no Facebook, sabemos que esses rankings são sempre complicados e discutíveis, mas são indicadores de percepção, no mínimo. Very proud! I couldn´t have made a better choice. E a vida segue em seu ritmo acelerado, e por hoje consegui pausar um pouquinho pra olhar o entorno.

Looking through her red box of memories

Why can’t you see
That nature has its way of warning me
Eyes open wide
Looking at the heavens with a tear in my eye

Acho que uns dias atrás escrevi que boa parte dos problemas – ao menos me parece – da minha geração concentra-se no timing, ou na falta dele. Passamos a maior parte da vida desejando, buscando e trabalhando por coisas e pessoas. E ai chega uma hora em que elas vêm, todavia não sabemos mais o que fazer com elas, ou o que elas realmente significavam nas nossas vidas.  Ou por outro lado,  temos algumas ideias até bem fundamentadas. Um belo dia observamos que elas já não nos caem mais tão bem. Mudamos de lado, desistimos e o que acontece? Ao contrário dos filmes da Sessão da Tarde ou das frases motivacionais que nos dizem que é sempre possível mudar a qualquer hora, a vida te dá um tapa na cara e diz que mudar depois de um certo período não é assim tão fácil e que você vai ter que rebolar pra conseguir. Ou então engolir as lágrimas e aceitar, porque afinal dói menos.

Enquanto isso, todos seguem vivendo suas vidas mais-que-perfeitas em sorrisos e dissimulações – como a flexão de tempo do passado em língua portuguesa – entre selfies e checkins, posando para a próxima temporada do seriado Vida Adulta em uma narrativa que faz com que a gente nunca pareça ter saído de verdade da high school.  Mas, no sentido contrário o tempo vem nos mostrar que algumas decisões lá do passado beiram a irreversibilidade. Talvez tenha sido num momento de raiva em que você só queria bancar a Scarlett O´Hara, talvez tenha sido no dia em que você decidiu fazer um caminho curto em que não encontrou quem deveria ter encontrado ou mesmo quando você por acaso foi parar numa festa à fantasia que não fazia parte do seu plano. Não tem como reconstituir totalmente a timeline. No fim das contas, o paradoxo temporal sempre me leva à Donnie Darko.

 

 

2014 em algumas linhas

Eu queria ter me dedicado mais ao blog esse ano, mas a vida atropelou tudo. Por um lado é bom porque as experiências fora de tela são insubstituíveis. Por outro, queria ter tido tempo de documentar algumas coisas para posteridade porque 2014 foi realmente sui generis, sobretudo porque encontrei forças para resolver uma zica atrás da outra com muito mais calma do que em outros anos e meus exercícios de empatia tem surtido mais efeito. Ser andróide nesse mundo de humanos não é lá muito fácil, então tem certas coisas que eu ainda não entendo. Mas vejo que estou melhorando com novas programações da psicanálise robótica. O mais difícil para mim – como sempre foi – é lidar com situações que fujam dos protocolos da minha programação e lidar com coisas humanas tipo perguntas invasivas sem sentido em locais públicos, acima de tudo quando envolvem minhas escolhas pessoais. Mas, aos poucos, vou tentando fazer de conta que isso está dentro da minha compreensão.

O ano começou bem tranquilo entre amigos com champagne e sem alarde e foi uma espécie de prenúncio das férias que viriam logo na seqüência. No contra-fluxo em vez da praia subimos a serra paulistana e desapareci por alguns dias em uma pousada charmosa. Teve tb showzinho do Suicide Commando e encontro com os amigues de SP e do Rio. Foi um ano em que viajei bem menos do que o habitual e esse corte foi devido à intensidade do trabalho de pesquisa e a questões pessoais que precisava resolver , mas ao mesmo tempo consegui finalmente deixar a casa com a minha cara – com a ajuda do Társis – depois de tanto tempo sem vontade nenhuma de mexer em nada. Apesar de ter viajado menos, as viagens que fiz foram todas proveitosas incluindo os 15 dias em UK na parte exploratória da pesquisa, onde também tive a oportunidade de conhecer a University of Surrey. A Intercom em Foz do Iguaçu também foi excelente, o GP Cibercultura estava ótimo e a visita às Cataratas depois de tantos anos valeu muito a pena. Tive uma breve passagem pelo Rio onde pude reencontrar os amigues. Teve até Comic Con em SP.

Nunca lidei tanto com burocracias quanto em 2014, mas está valendo a pena coordenar o projeto POA-MCR e reunir uma equipe tão dedicada de pessoas trabalhando em uma pesquisa tão legal. Trabalhar em grupo é um desafio e tem suas próprias limitações e dificuldades, mas o resultado compensa e estou tendo a oportunidade bacaníssima de orientar meu primeiro pós-doutorando. Por falar nisso, meus orientandos nesse ano me deram muito orgulho desde os  TCCs, os mestrandos que defenderam e a primeira defesa de doutorado, todos trabalharam muito bem, cumprindo prazos e se dedicando.

2014 foi também um ano de perdas, de lembranças, de incomodações e de injustiças. Muitas delas inclusive foram levadas à justiça. As mais importantes foram resolvidas. Foi um ano em que tudo demorou pra engatar, papéis demoraram a sair, obras não saíram do papel, e muitas coisas e pessoas se arrastaram parecendo não querer sair da vida, que com muito esforço foram extirpadas. Também foi um ano de confirmar algumas falsidades e a ligar cada vez menos para quem fala o quê. Mas os amigos fiéis se mantiveram e isso é o que importa.

Depois de uns 07 meses de namoro ponte área POA-SP, o ano trouxe a mudança definitiva do meu amor para Porto Alegre e  fechando com chave de ouro a marcação do casamento que promete abrir os trabalhos de 2015 para felicidade da gente e dos que torcem por nós. Coisas totalmente inesperadas acontecem!

Um Feliz 2015 a todo mundo!

Sobre os meus brasis

Depois de ler tantos discursos de ódio e manifestações vexaminosas por parte de uma parcela preconceituosa da população nos sites de redes sociais, decidi dar meus breves pitacos sobre o caso.

Nos últimos 9 anos viajei pelas 5 regiões do país por conta de eventos, palestras, bancas, etc e posso dizer que cada lugar tem peculiaridades com as quais me identifico e outras que estão bem longe de mim. Morei  5 anos em Curitiba, lugar ao qual sou grata por ter me dado ótimas oportunidades de trabalho e conhecido algumas pessoas legais, mas que NÃO É a Europa brazuca como tanto paranaense acha que é. Foi nessa cidade tb que, certa feita,  vi uma face negra do regionalismo separatista com pessoas usando camisetas de Curitiba é meu país num show de rock de uma banda local cujo vocalista dizia que a cidade estava cheia de “estrangeiros” que não contribuíam. Me retirei e continuo acreditando que é  apenas um grupo que pessoas que não representam as pessoas que me acolheram por lá. Foi lá em CWB tb que tive a oportunidade de ir em várias edições do Psycho Carnival, um dos festivais mais legais de rock do país todo e cuja proposta deixa a maioria dos eventos ditos “roqueiros” no chinelo em relação ao resto do país. Para mim, esse lado de Curitiba é mais relevante que o marketing em torno do ônibus bi-articulado.

Faz 4 anos que retornei a morar em Porto Alegre, que tem coisas boas – a Feira do Livro por ex –  mas também não é o centro do universo, por mais que a galera de CTG e a imprensa vendam a imagem de #rsmelhoremtudo . Esse bairrismo ridículo muitas vezes impede a própria cidade e o estado de saírem desse discurso umbiguista e crescerem, sem ampliar o espectro de possibilidades. O conservadorismo gaúcho me incomoda e me choca, mas por outro lado, nem tudo mundo aqui acredita nisso e conheço uma penca de pessoas que se desprenderam até bem cedo e estão pelo mundo sem grandes apegos aos pampas ou à cidade do pôr-do-sol mais lindo (hahahahhahahaha que trollagem isso minha gente!)

Em Hellcife (como meus amigos nativos me ensinaram a dizer) aprendi que Pernambuco tb tem essa megalomania da maior avenida em linha reta e da briga pela literatura pernambucana em uma estante da Livraria Cultura. Aprendi sobre a disputa carnavalesca com Salvador – embora eu mesma não ligue a mínima pra carnaval, mas gosto de saber sobre culturas –  onde sou maravilhosamente bem tratada cada vez que apareço e que encontro ótimas interlocuções. Fui algumas vezes ao centro-oeste e ao norte e de lá só trouxe ótimas lembranças de gente acolhedora e sedenta por conhecimento. Muitas vezes por conta do estereótipo reverso,  quando ainda não me conheciam,  esperavam alguém mais “branca”, mais “loira” ou mais apegada a algum tipo de tradição dos pampas e se surpreendiam quando eu falava que não sei fazer chimarrão, que não escuto música regional e que chamo pessoal pilchado de cosplay gaudério, o que não me impede de achar O tempo e o vento uma baita obra épica que me emociona.

Meus amigos cariocas me ensinaram a adorar o Rio quando eu o detestava por birra e tb tinha uma visão estereotipada, sobretudo os queridos Vinicius Andrade Pereira e Simone Pereira de Sá, que dizem que sou a gaúcha menos gaúcha que já conheceram, no sentido do desapego  ao que retruco citando meu pai “sou porto alegrense”, o que não implica em demérito do interior do Estado, apenas em que não fui criada em uma família que ligasse pra isso. Meus amigos da academia e meus amigos das trevas cariocas me ensinaram a gostar de um riiiiooodejaneirooo mais caótico e mais debochado, para além das novelas do Manoel Carlos.

E SP, esse lugar ao qual sou sempre fascinada/agradecida/feliz que me trouxe os melhores shows, as melhores festas, uma aprendizagem ampliada sobre a sociedade brasileira desde quando eu era bem jovem e pegava ônibus e fazia 18h pra chegar de POA ate SP – ou tinha que economizar horrores pra comprar uma passagem de avião –  pra ir até lá curtir a noite, fazer cursos e todas as outras coisas legais de consumo, sem falar nos amigos queridos que tenho por lá e que sempre dão um jeitinho de me encontrarem abrindo brechas em suas agendas tipicamente corridas. SP foi uma escola de entendimento de subculturas que nenhum livro poderia ter me dado e que me ensinou a enfrentar reuniões burocráticas e políticas (e a me portar nelas), vejam só, parece contraditório, mas não é. Essa SP tb me fez conhecer meu amor, um gaúcho/paulista (que assim como eu não exerce a cidadania) e  que nunca havia morado na província, mas que depois que me conheceu resolveu morar  aqui, mesmo com todo os prós e contras, que eu mesma apontei. Mas o amor está ai pra superar as crises econômicas e de identidade.

Tudo isso apenas para dizer q não existe um Brasil, existem brasis e que cada um de nós é também responsável pelas apropriações que são feitas a partir das diferentes culturas nele presentes. É justamente isso que chama atenção quando eu e outros colegas vamos em algum congresso no exterior discutir de igual para igual. Por essas e outras, coisas como separatismo, xenofobia e racismo, além de serem preconceitos e discursos de ódio, NÃO fazem o menor sentido nesse país surreal e multifacetado. Sair do senso comum e da zona de conforto é um antídoto para tentarmos nos descontaminar de vários estereótipos que estão por ai e para nos abrirmos a novas experiências e afetos.

Everybody has a poison and hellbound heart

Pausa no meio de uma longa madrugada de trabalho em que faço a revisão de um capítulo cujo deadline pessoal está quase em extinção de tão jurássico. Assim aprendo e/ou confirmo algumas coisas importantes tais como: 1) o número de pareceres que surgem no meu email para serem feitos no final de semana se reproduzem mais do que coelhos; 2) alterações sugeridas em um texto que ficou tanto tempo na gaveta são mais difíceis de serem efetuadas e causam mais desgaste do que fazer um texto novo e 3) descobri que o musical Hedwig and the Angry Inch, um dos meus favoritos de todos os tempos, acaba de ser remontado no Brasil com Paulinho Vilhena e Evandro Mesquisa nos papéis principais além de traduções das letras para o português. Como assim Bial? rs Vou ali vomitar num cantinho e já volto.

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De qualquer forma já houve um tempo em que noites de sexta eram bem mais vibrantes do que revisar um  artigo (é #fato eu gosto muito de escrever, mas revisar é doloroso). Mas é também verdade que mesmo que eu pudesse ou quisesse – o que não é possível por conta de doença familiar e prazos apertadíssimos – as coisas andam mais paradas do que não sei o quê na capital do “orgulho farroupilha”. Nessas horas eu sempre recorri a um pouco de vinho e literatura para melhorar o astral. Dessa vez é diferente, nem com isso posso contar porque meus livros ainda não chegaram de CWB. Minha mudança será efetuada mesmo apenas quando encontrar um apartamento (ainda estou à procura, a falta de tempo para olhar está sendo um complicador). Por hora permaneço de filha visitante na casa da minha mãe e penso que o cenobita Pinhead tem razão. Devo me manter calma: “No tears, please. It’s a waste of good suffering.”

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E, por falar em filmes/livros/canções e na citação ai de cima, curtiram meu título-mashup de Ramones + Clive Barker?

Hoje lembrei que nos anos 90 cheguei a pensar em fazer minha monografia sobre a obra do grande mestre Clive Barker (lembrei disso por conta de um post do @falc4o). Fantasia,  splatterpunk e weirdness sempre caracterizaram a obra dele. As dicotomias filosófico-existencias dos personagens  tanto nos Livros de Sangue quanto romances que debatem conceitos como horror-naturezan tipo Sacramento merecem mais atenção.

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Para fechar, um pouco do imaginário barkeriano:

“I want to be remembered as an imaginer, someone who used his imagination as a way to journey beyond the limits of self, beyond the limits of flesh and blood, beyond the limits of even perhaps life itself, in order to discover some sense of order in what appears to be a disordered universe. I’m using my imagination to find meaning, both for myself and, I hope, for my readers.” Clive Barker