Por uma criptoanálise do zumbi cyberpunk

Acaba de ser lançado pela editora Rizoma Editorial do Rio de Janeiro, o livro Futuro Esquecido: A Recepção da Ficção Científica da Ficção Cyberpunk na América Latina de autoria de Rodolfo Rorato Londero, adaptação da tese de doutorado do autor defendida no PPG em Letras da UFSM em 2011. Tive a honra de ter participado da banca e ainda de ter feito o prefácio da obra, que reproduzo abaixo com a devida autorização do autor e da editora.

O livro pode ser adquirido em formato físico através do site http://rizomaeditorial.com/catalog/product_info.php?products_id=276 e em versão para Kindle na Amazon http://www.amazon.com.br/Futuro-Esquecido-Recep%C3%A7%C3%A3o-Cyberpunk-ebook/dp/B00EH41T6E/ref=sr_1_2?s=digital-text&ie=UTF8&qid=1376442035&%20sr=1-2&keywords=Futuro+esqu%20ecido

Por uma criptoanálise do zumbi cyberpunk

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Adriana Amaral

Em 2004 eu estava imersa nos estudos sobre ficção-científica e cyberpunk, tentando de alguma maneira dar forma a uma tese de Doutorado sobre o tema, quando recebo um e-mail de um jovem estudante de jornalismo da UFMS em busca de troca de ideias e dicas. Era Rodolfo Londero, que havia lido um artigo que publiquei e tinha algumas dúvidas e observações. É bom lembrar que naquele período, há quase dez anos, a bibliografia em língua portuguesa era escassa e os preconceitos contra esse tipo de temática e sua vinculação acadêmica – fossem de meus próprios colegas ou de professores – era quase uma norma. Minhas discussões com Rodolfo não se limitaram a uma intensa troca de e-mails, até mesmo enquanto eu fazia meu estágio de doutorado nos Estados Unidos, mas se prolongaram presencialmente anos mais tarde em sua defesa de Mestrado, nas discussões durante o seminário Invisibilidades II realizado no Itaú Cultural em São Paulo e, mais recentemente, em sua defesa de Doutorado, cuja tese originou o presente livre. Tais dificuldades poderiam ter nos desestimulado, tanto a mim quanto a Rodolfo, mas como vemos materializado nessa obra, elas funcionaram como uma motivação a mais para acreditar na legitimidade da pesquisa sobre a ficção científica no Brasil. Assim, Futuro Esquecido: a recepção da Ficção Cyberpunk na América Latina, apesar de não ser uma Space Opera, avança anos-luz no campo dos estudos sobre a ficção-científica.

Num primeiro momento, gostaria de destacar que a principal contribuição dessa pesquisa é ser ao mesmo tempo sistemática, obsessiva/metódica e emocional, sem ser de um panfletarismo barato pela então chamada “literatura de massa”. Dessas características, que valorizo enquanto pesquisadora e professora é que advém o sabor de uma tese que tenta, ao partir de uma metodologia de criptoanálise, se equilibrar em dois eixos bem sedimentados pelas bases teóricas e epistemológicas desenvolvidas ao longo das páginas: uma teoria literária que leve em consideração e defenda a ficção-científica enquanto objeto de estudo válido na pluralidade estética da contemporaneidade e a questão da ideologia neo-marxista enquanto norteadora das utopias latino-americanas na recepção da FC. Recepção essa que é por vezes sarcástica, por vezes renovadora e por vezes mashup do cyberpunk “original” conforme vamos adentrando pelo universo narrativo do cyberpunk latino-americano, tendo Londero como nosso “Che Guevara de apartamento”.

A originalidade é um quesito muitas vezes aplicado à literatura chamada “mainstream” e que, nesse momento pós-carnavalesco, não deve ser utilizado como quesito passível de avaliação nem da literatura de Ficção Científica, nem de suas co-irmãs como a fantasia, o horror e o policial, no entanto é importante destacar a originalidade do livro de Rodolfo, pois o autor fez a lição de casa e nos trouxe uma obra teórica que contempla quesitos suficientes para “ser campeã do carnaval da avenida cyberpunk” (Afinal? Já que estamos no Brasil, que também parte do universo ficcional neobarroco posso abusar das metáforas a la Carmem Miranda). Futuro Esquecido levanta discussões pertinentes não só ao campo da literatura mas da comunicação e da estética de massa (ou de nicho ?), e que flutua intersticialmente entre uma e outra. A Ficção Científica cyberpunk talvez tenha conseguido transpor as barreiras dos guetos, justamente por lidar com o particular, mas é natural que sua recepção adquira outros elementos e características do seu entorno, como o universal e o utópico analisados nas observações do autor sobre as obras latino-americanas.

Nesse sentido, também é importante destacar o posicionamento do autor ao caracterizar a Ficção Científica como literatura invisível e não como marginal. A opção pelo termo invisível se constrói acertadamente e aqui remeto ao escritor Ítalo Calvino no livro Seis propostas para o próximo milênio, quando ele inclui a visibilidade como valor a ser preservado, ao afirmar que

“A fantasia é uma espécie de máquina eletrônica que leva em conta todas as combinações possíveis e escolhe as que obedecem a um fim, ou que simplesmente são as mais interessantes, agradáveis ou divertidas. Resta-me esclarecer a parte que nesse golfo fantástico cabe ao imaginário indireto, ou seja, o conjunto de imagens que a cultura nos fornece, seja ela cultura de massa ou outra forma qualquer da tradição.” (1993, p. 107).

O livro dá visibilidade e voz ao cyberpunk enquanto gênero que possui características próprias que não são maiores nem menores que a de outros gêneros mais “estabelecidos”, leia-se aqui mais estudados. Mesmo assim, cabe pensar que por estar ancorada entre o nicho e a massa, entre o fandom e a academia talvez ela esteja num entre-lugar que permita que essa literatura revele seus circuitos, fluxos e formas culturais entre a produção, o consumo e a recepção, no qual essa invisibilidade possa ser até mesmo uma espécie de “roupa nova do rei” entre os críticos, afinal alguns legitimam o gênero dizendo que ele sempre esteve lá – desde os tempos mais primórdios das narrativas; outros o vêem somente quando legitimado pelo monarca, leia-se algum crítico canônico do estilo Harold Bloom; outros por fim enxergam a partir de algumas escavações arque-genealógicas.

Assim, se, como defende Londero, a Ficção Científica é um código que precisa ser acessado e é ao mesmo tempo um megatexto que necessita de certa forma de um leitor/receptor modelo (#umbertoecofeelings) que se cria na subcultura sci-fi como propõe o autor, não seria também a Ficção científica uma proposta de remixagem cultural de imaginários utópicos e distopicos? Não seria o cyberpunk em si mesmo uma relíquia material a(na)rqueológica que performatiza um dado tempo histórico (anos 80/90), em determinados locais e culturas (anglo-saxã, japonesa, latino-americana, etc) mas que o traveste de folhetim transmídia?

O livro Futuro Esquecido não nos dá respostas prontas ou fáceis diante de tais questões, mas demonstra que no âmbito da Ficção Científica produtor e receptor consomem e são autores praticamente no mesmo tempo histórico, e com certeza, nos indica caminhos para pensar esse “morto-vivo” que é a literatura cyberpunk cuja identidade latino-americana é desvendada com competência nessa obra.
Referência:

CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. São Paulo: Cia das Letras, 1993.

Cidades ficcionais, cidades de fato e cibercidades

Uma boa dica para esse sábado veio do escritor Gerson Lodi: a excelente entrevista da Scientific American com o escritor William Gibson a respeito das relações entre as paisagens urbanas contemporâneas e as cidades ficcionais mediadas pela tecnologia. Abaixo um trecho que destaquei da matéria.

Has the pace of changing technology made the purpose or meaning of particular cities, or cities in general, different for new generations, or is their essential character as places of concentrated choice something that you think remains relatively constant?

The Internet, which I think of as a sort of meta-city, has made it possible for people who don’t live in cities to master areas of expertise that previously required residence in a city, but I think it’s still a faith in concentrated choice that drives migration to cities.

Recomendo também o artigo Life in the Meta city escrito por ele para essa edição.

Minha lista sobre cyberpunk no blog de Bruce Sterling

Ao abrir o twitter hoje tive uma grata surpresa. O super master escritor de sci-fi Bruce Sterling publicou, com os devidos créditos, minha lista com os artigos científicos e publicações em língua portuguesa sobre cyberpunk e sci-fi em seu blog Beyond the beyond na Wired. Pior é que não atualizo a lista há horas por pura falta de tempo, mas com essa vou ter que criar vergonha na cara. Ele também publicou a programação do Invisibilidades III que acontecerá no Itaú Cultural nesse fim de semana. O homem tá ligadíssimo no que está rolando por aqui.

The Dose Magazine #03 – Paris

Já comentei há bastante tempo sobre a The Dose Magazine, revista/webzine sobre tecnologia, estilos de vida e  subcultura cyberpunk e electro-industrial sempre centrada em uma cidade, ou seja, “cultura pop alternativa“, como eles se auto-definem no editorial. Agora ela retornou com uma nova edição, a número 3,  cujo dossiê é sobre Paris e o cinema cyberpunk francês. As outras edições, lançadas entre 2006 e 2007,  foram sobre Tóquio e Londres. A dic a foi do kr3st0.blogspot.com. Com essa nova edição que  será vendida por apenas 4 euros, a revista entra em uma outra fase, tendo sido adquirida Wide View Ltd. Vale ler um trecho do que pensam os editores sobre o seu público:

We now live in the future and the future is dense and fast. We’re in the age of procrastination extraordinaire, where our commodities are endless and nothing short of wondrous. Cyberpunk is a nineteen-eighties term and SF authors write their bleak (or for that matter, vivid) visions of the future straight from their RSS feeds. Not that SF was ever about the future, anyway. We’re using the accumulated knowledge of millions and it basically all boils down to one thing: this is the first era when you can really do anything you want. If you can’t do that, you probably don’t know what you want or you don’t persist enough. Which is, you know, all good if you’re comfortable enough with that.

A revista está oferecendo um teaser de leitura que pode ser visualizado abaixo:

E, para fechar uma banda francesa que está na chamada de capa da edição, o Punish Yourself e seu som techno-rock falando de uma estação espacial (“station in the space”), porque #sci-fi e música tem tudo a ver.