Nativos Digitais e Imigrantes Digitais – criticando os termos

digital nativesHá um bom tempo venho comentando com colegas e alunos em congressos, palestras, bancas, eventos, aulas e até mesmo aqui no blog o quanto me causa incômodo essa divisão “mercadológica” entre nativos digitais e imigrantes digitais. É uma dicotomia tão tola baseada em um “insight mezzo marketeiro” sem evidências de amostragem, dados ou evidências científicas. E o que é mais preocupante é que essa divisão – ou outras que significam a mesma coisa como Geração Net (Tapscott) ou Millenials (Howe & Strauss) – tem sido adotada quase como um modelo ou conceito, o que ela nunca foi. E assim, os termos seguem sendo reproduzidos desde matérias em telejornais até em  dissertações ou teses sem grandes preocupações em relação à discussão e profundidade dos significados dos mesmos. O que considero mais grave é que não parece haver contrapontos. Tempos atrás vi a danah boyd mencionar algumas críticas aos termos, fora isso, do pouco que li até o momento, muitas pessoas tendem a concordar com a adoção dessa divisão.  Mas essa semana lendo minhas feeds encontrei um post do blog de English Language Teaching da editora da Universidade de Oxford que faz uma boa relativização. Em Digital Natives: Fact of Fiction? Zöe Handley, professora de lingüística do departamento de Educação da Universidade de Oxford traça um resgate histórico dos termos, desde a publicação do primeiro texto de Prensky em 2001, até algumas reconsiderações de autores que apontam a falta de evidências cognitivas e neurológicas para tal abordagem. Segundo ela, o próprio Prensky reconsidera suas posições em um artigo de 2009, que a maioria dos que se engajaram em disseminar os termos parece fazer questão de ignorar. Embora o post seja bastante voltado à questão da educação, uma vez que o foco do blog é o ensino de língua inglesa, há aspectos bem interessantes levantados pela autora, em especial os resultados de pesquisas – cujas referências são citadas e linkadas até – que mostram que os supostos nativos digitais (nascidos a partir de 1982) não necessariamente usam as tecnologias de forma “produtiva”ou produzem conteúdo, embora estejam engajados nas redes sociais e constantemente online, ao passo que muitos dos “imigrantes digitais” podem se mostrar usuários muito mais frequentes. Os estudos mais recentes apontam que há uma variação muito grande nas experiências dos estudantes com as tecnologias, o que invalidaria uma dicotomia geracional por si só. Bem, gostei bastante da abordagem crítica do texto, que embora breve fornece algumas pistas – que podem ser melhor desenvolvidas – sobre o fato de que os “imigrantes digitais” através de suas práticas e experiências com as tecnologias podem vir a se tornar nativos e que os “nativos” nem sempre possuem toda a “performance” que lhe é atribuída. Julgo fundamental mais pesquisas e discussões acerca da adoção seja ela midiática ou acadêmica em relação a essas nomenclaturas, a fim de não acirrarmos ainda mais as distâncias entre gerações (em especial na questão professor-aluno) através da tecnologia como vetor ou como uma espécie de imposição devido a uma data de nascimento. São pontos a serem pensados com maior precisão daqui para frente.

12 comentários

  1. Suzana · janeiro 25, 2011

    Oi Adri

    Existe uma tendência grande em dicotomizar tudo em níveis ou espaços estanques e contrários, quando na realidade tudo é imensamente interligado. O novo só é novo por se fazer intrinsecamente ligado ao ‘antigo’ e trazer em si as suas marcas.
    Entre duas posições dicotômicas existe uma centena de pontos intermediários e contraditórios. Cadê a complexidade nestas dicotomias simplistas recheadas de determinismos, não é?

    Uma outra coisa que este tipo de abordagem faz é trazer a tecnologia como o motor da história, como que desligada das práticas humanas que a criam, como saltos ‘paradigmáticos’ no que é continuidade da prática social de homens e mulheres construindo suas vidas.

    ((Terminei o doutorado e agora serei mais presente nos bogs :)))
    bjssss

    • Adriamaral · janeiro 25, 2011

      Oi Su, parabéns pelo doutorado, fiquei sabendo da banca, vários elogios e fiquei sabendo que me citaste, fiquei bem contente. Pois me preocupa justamente essas matizes entre um ponto e outro. Pela minha experiência, tanto como professora como quanto usuária percebo muito mais pontos entre um lugar e outro do que os extremos. E me preocupa muito que pesquisadores simplesmente engulam termos que me soam muito mais como tags de marketing (porque conceitos eles definitivamente não são) e não sejam capazes de discutir os interesses por trás desse tipo de discurso fora a questão do abismo que comentei antes.

      • Adriamaral · janeiro 25, 2011

        Fora essa questão da tecnologia totalmente dscolada da cultura e das práticas sociais que subjaz a esse tipo de interpretação dos fenômenos.

  2. Rogério Christofoletti · janeiro 25, 2011

    Sim, Adri, você tem uma preocupação muito relevante: não ampliar mais ainda as distâncias geracionais entre professores e alunos neste contexto em que estamos mergulhados.
    Tudo o que vem acontecendo – fortemente impulsionado pela disseminação dessas dicotomias que você critica -, tudo o que vem acontecendo favorece o alargamento do abismo que pode existir (e se existe!) entre os dois pontos. Lanço mais uma questão nessa direção: afinal, a quem interessa ampliar essa distância? Por que se insiste tanto nisso?

    • Adriamaral · janeiro 25, 2011

      Rogério, acho que a ampliação dessa distância tem uma lógica de mercado bem clara, primeiro porque facilita demitir pessoas com a desculpa que elas não têm o perfil desejado em uma determinada empresa por exemplo; segundo, constrói um discurso que legitima outras características e práticas da sociedade como a questào da perseguição da juventude eterna através de vários procedimentos corporais, estéticos, etc; terceiro, dota a tecnologia de um determinado poder e mina todo o resto do social, cultural que estão em sua gênese e, por fim, faz vender resvitas, jornais, anúncios em programas, etc.. isso só pra começo de conversa

  3. Pedro Henrique Reis · janeiro 25, 2011

    Frequentemente vejo os mais lúcidos citarem Hannah Arendt: não há motor da história, a história é o motor. E o pior, vejo esse tag marketológico coladinho com Edgar Morin.

    Fico triste. No cotidiano é bem compreensível as pessoas engolirem e regurgitarem esses termos-moda-marketing, mas na academia? E a questão do Prensky acontece até com grandes caras. Com ditos nietzscheanos que se deleitam em pós-humanidade esquecendo completamente will of power. Com ditos heideggerianos que regurgitam a filosofia da técnica de Ellul achando estarem abordando o Dasein, a armação e diversos outros pontos.

    E penso que nessa discussão, mais pontualmente ao caso, se aplica a discussão entre offline e online. Foi-se o tempo em que essa triste divisão platônica fazia algum sentido.

    • Adriamaral · janeiro 25, 2011

      O problema não é o Prensky ter escrito isso e depois se retratado. O problema é as pessoas não fazerem esse movimento de angular o termo com conceitos e com resultados de pesquisas empíricas, dai fica so blablabla um vez que o marketing apaga qualquer rastro de teorização.

      • cintia · fevereiro 16, 2011

        Oi Adriana. Fiz esta análise em meu projeto de tese agora em novembro, citando o artigo que falas do Prensky em que ele revisita o termo. Bom ler o que escrevestes porque aí a gente vê que não fala sozinho. Valeu!

  4. Francisco Arlindo Alves · janeiro 25, 2011

    Para agravar, me parece apressada a importação indiscriminada de termos como Baby Boomers, Geração x. Geração Y Geração Z, utilizado no contexto brasileiro. O país teve uma dinâmica demografica muito particular, e a disseminação da tecnologia digital pela maioria da população ocorreu de forma e velocidade bem diferente do cenário americano. (É também preciso sair do “universozinho” da classe média).

    • Adriamaral · janeiro 26, 2011

      É verdade, a contextualização e transposição desses termos tb é problemática e distinta dos EUA

  5. Adriamaral · fevereiro 16, 2011

    Cintia – que bom saber disso, eu recebi teu email mas ainda não tive tempo de responder, mas continuamos a conversa em breve

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