Práticas de consumo subcultural nos sites de redes sociais

Em minhas pesquisas sobre as relações entre subculturas, fandoms e as tecnologias de comunicação, uma das questões que tem me chamado atenção diz respeito às possibilidades de construção de determinados estilos de vida, performatização e fruição de objetos e práticas culturais através das plataformas digitais. Tenho estudado especialmente os grupos relacionados à música, sejam eles fãs de gêneros musicais mais  midiaticamente populares – como é o caso dos fãs de happy rock que pesquisei juntamente com João Pedro Amaral e agora também com a Camila Monteiro e/ou participantes de cenas mais de nicho, como o electro-industrial – que estudo desde minha tese de doutorado, o steampunk, o witch-house, entre outros .

São vários os elementos que estão em jogo nesse cenário, muitos deles continuam os mesmos: a moda, a performance, os aspectos da experiência emocional, as trocas simbólicas e o capital subcultural; no entanto, muitas vezes se remediam, se replicam, viralizam e se representam de forma distinta ao que acontecia em tempos pré-internet, por exemplo. Um dos elementos mais importantes para a compreensão de uma subcultura é, sem dúvida, através de suas práticas de consumo. Peter Burke (2008) comenta que o consumo, a moda, a cultura e o estilo de vida dentro desses grupos encontram-se relacionados de forma inseparável e, portanto não há como analisá-los sem refletir sobre esse amálgama. A materialidade dos objetos adquiridos e a utilização dos mesmos dentro de uma determinada cena se torna também  item de disputas simbólicas e de negociação identitária, determinando hierarquias e acesso ao capital subcultural  (Thornton, 1995); assim como a manutenção do estilo “cobra seus custos”  também na representação de gêneros, ora na predominância de aspectos masculinos nas subculturas como afirmavam os pesquisadores da década de 80 como Brake (1980); ora nas estratégias de hiperfeminilidade de outras, conforme nos indica Brill (2008). É preciso lembrar a noção de capital subcultural proposta por Thornton (1995):  “uma marca de distinção que pode ser objetificada (através das roupas ou coleções de discos por exemplo) ou corporificada (através do conhecimento subcultural e do quão “legal”- cool – é um indivíduo da cena) conferindo status ao seu proprietário”.  Essa definição nos remete novamente à questão dos objetos materiais e imateriais (falarei aqui mais especificamente da moda e do visual) bem como a sua corporificação, que eu compreendo através da performatização (das coreografias, do modo de vestir por exemplo) e do conhecimento de determinadas estratégias, códigos e informações “privilegiadas”  que garantem os indicativos de apreciação daquele indivíduo pelos outros membros do grupo. Mais adiante – em um trabalho que está em andamento – tratarei de forma mais aprofundada essa noção.

Com a popularização da internet e de outras tecnologias de comunicação, de que maneira essas práticas de consumo subcultural são reconfiguradas e adaptadas de acordo com os diferentes ambientes e plataformas digitais?

São muito os tipos de apropriações,  desde as coletivas e que incluem intensa mobilização inclusive offline como flashmobs, lipdubs e usos de hashtags no Twitter, estudadas como práticas de fansourcing em um artigo anterior (2010) até utilizações mais individuais.

Foto das cartela de cores para tingimento de jeans da rede de lavanderias Restaura Jeans

No caso de um gênero mais pop como o “happy rock”, em um estudo recente (Amaral & Amaral, 2011) observamos basicamente quatro tipos de performances de engajamento dos participantes dessa cena no Twitter, Facebook e You Tube a partir de uma adaptação da Teoria Fundamentada como método para estudos de internet (Fragoso, Recuero e Amaral, 2011):

1) Performance identitária, ou como os artistas desse gênero representam sua identidade nessas plataformas. As referências, citações e menções à própria internet ou a sites de redes sociais se destacaram no discurso identitário dos participantes;

2) Performance de demonstração afetiva/sentimental. É aquela centrada no relacionamento afetivo, nas emoções e experiências entre os participantes;

3) Performance solidária. É da ordem da convocação ao engajamento e à participação, visando a interação entre os membros;

4) Performance de crítica musical. Aquela que remedia a crítica, tomando para si esse papel através de comentários sobre shows, canções, etc. É uma prática cultural que atrai disputas e até manifestações de repúdio em determinadas situações.

Um dado interessante que emergiu da pesquisa exploratória – que se encontra em andamento – sobre os usos das hashtags pelos fãs do happy rock, desenvolvida por mim e pela Camila Monteiro, é o fato de que na maior parte das disputas e conflitos sobre esse gênero musical, boa parte dos elementos semânticos e simbólicos  utilizados como ofensa aos grupos de fãs são extra-musicais. Destacam-se essencialmente as roupas e o modo de vestí-las, a sexualidade e o gênero (masculino/feminino), a afetividade e as diferentes modulações de linguagem (Baym, 2010), como as gírias, emoticons e outros tipos de adaptações da escrita, como no exemplo do S2.

E no caso específico das práticas relacionadas à moda, como as subculturas têm se apropriado das plataformas digitais?

Ainda estou levantando dados sobre essa questão, visto que o fator “modo de vestir” aparece de forma significativa tanto na literatura sobre o tema subculturas como parte essencial do modo de consumo e também pelos dados empíricos. Percebe-se também que essa relação tanto pode ser observada nos modos de performatizar e negociar a identidade e o acesso e ganho de capital subcultural;  como estar atrelado a estratégias mercadológicas detectadas por coolhunters e agências de pesquisa a partir do destaque de determinadas tendências, como é o caso do steampunk, por exemplo, cada vez mais citado em editoriais de revistas de moda. Por um lado, amplifica-se e populariza-se o consumo (é mais fácil encontrar roupas para cosplay por exemplo no caso das gothic lolitas e outros subgrupos) e a produção de objetos customizados por exemplo, via tutoriais vastamente encontrados no You Tube. Por outro, essa mesma espontaneidade que emerge dos participantes é domesticada a uma lógica de mercado ancorada na personalização e na segmentação em nichos que pode até ser acessada  através do integrante X ou Y que alcança uma determinada reputação ou da emergência do tema.

Um exemplo interessante foram esses tutoriais de maquiagem produzidos por uma maquiadora irlandesa que demonstra um pouco dos códigos da make up cybergótica e steampunk/neo-vitoriana:

Algumas referências:

AMARAL, A., AMARAL J.P.(2011) “S2, S2”. Afetividade, identidade e mobilização nas estratégias de engajamento dos fãs através das mídias sociais pelo Happy Rock gaúcho.In: HERSCHMANN, M. (org). Comunicação, Indústria da Música e Desenvolvimento Local sustentável, 2011. (Título Provisório). No Prelo.

AMARAL, A. (2010) Práticas de Fansourcing. Estratégias de mobilização e curadoria musical nas plataformas musicais. In: SÁ, Simone (org). Rumos da cultura da música. Porto Alegre: Ed. Sulina.

AMARAL, A., MONTEIRO, C. (2011) Brazilian “Happy Rock Family”. Cyberfandom, mainstream musical genre or a pre-teenager post-subculture? No prelo.

BAYM, N. (2010). Personal connections in the digital age. Cambridge: Polity Press.

BRILL, D. (2008) Goth culture. Gender, sexuality and style. Oxford: Berg, 2008.

BRAKE, B.  (1980) The sociology of youth culture and youth subcultures. London: Rouledge.

BURKE, P. (2008). Modernidade, cultura e estilos de vida. In: BUENO, M.L., CAMARGO, L. Cultura e consumo. Estilos de vida na contemporaneidade. SP: Editora Senac.

FRAGOSO, S., RECUERO, R., AMARAL, A. (2011).  Métodos de Pesquisa para Internet. Porto Alegre, Editora Sulina.

THORNTON, S. (1995) Club cultures: music, media and subcultural capital. Connecticut: Wesleyan University Press.

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