Choose Life. Choose a job. Choose a career. Choose a family. Choose a fucking big television, choose washing machines, cars, compact disc players and electrical tin openers. Choose good health, low cholesterol, and dental insurance. Choose fixed interest mortgage repayments. Choose a starter home. Choose your friends. Choose leisurewear and matching luggage. Choose a three-piece suit on hire purchase in a range of fucking fabrics. Choose DIY and wondering who the fuck you are on Sunday morning. Choose sitting on that couch watching mind-numbing, spirit-crushing game shows, stuffing fucking junk food into your mouth. Choose rotting away at the end of it all, pissing your last in a miserable home, nothing more than an embarrassment to the selfish, fucked up brats you spawned to replace yourselves. Choose your future. Choose life… (Trainspotting)
Não se preocupem, esse post não é sobre desistir da vida. Também não vou jogar tudo para o alto e virar hippie (não nessa vida por favor, ninguém me obriga a usar sandalinha de couro e saião e cantar a detestável Janis Joplin. Mais facil eu enlouquecer em uma masmorra ou em uma fabrica abandonada ouvindo :wumpscut). Esse post é sobre algumas coisas que vieram a minha mente após ter lido o texto inquietante da Aline Andrade intitulado Quando chega a hora de desistir. Fiquei pensando o quão diametralmente oposta estou no espectro e, ao mesmo tempo tão próxima. A vida acadêmica e suas agruras é parecida e diferente para pessoas tão distintas e sim, renderia bons produtos ficcionais, sejam livros, seriados ou filmes. Eu sempre quis escrever um sitcom com as situações bizarras e surreais que já passei – e não foram, nem são, poucas. De qualquer forma essa é uma realidade ainda pouco explorada pela TV (atenção diretores e produtores da HBO, GNT etc temos material de sobra, #chamanóis).
No texto Aline descreve com bastante acuidade algumas situações que todo mundo que já fez concurso ou prestou seleções conhece ou já ouviu. A vida acadêmica é bastante randômica e aleatória, apesar de todo o discurso meritocrático e peer review que contamos para nós mesmos o tempo todo. O caos no fim das contas acaba determinando alguns acontecimentos muito mais do que as escolhas que acreditamos fazer.
Eu por exemplo, decidi que seria jornalista com sete anos de idade porque gostava de escrever e porque era fã dos repórteres heróis dos quadrinhos (Homem Aranha, Superman). Ao contrário de todos meus colegas, durante o segundo grau (é ensino médio agora né? Acho que estou passando atestado de tiazona) eu não tinha nenhuma dúvida sobre qual graduação cursar. Mas meu último ano antes da faculdade foi caótico, aconteceram coisas que me tiraram do prumo e acabei fazendo um pouco de Letras, porque amava literatura de língua inglesa. Amava o curso (lingüística, teoria literária) mas não me via sendo professora. Olhem a ironia da vida. Hoje sou professora.
Um semestre depois entrei no jornalismo (levei ambos os cursos por um tempo mas não rolou) com a missão de trabalhar pra uma revista de música. Era esse meu ponto. Não tinha a menor vontade de escrever sobre buraco da rua, política (meu niilismo ja me fazia odiar ideologias de variados espectros) ou hard news. E la no andar do curso o que aconteceu? Primeiro que passei a gostar e andar com os amigos publicitários que ouviam música eletrônica – a maioria dos estudantes de jornalismo faziam a linha roqueirinho classico que naquele momento eu achava um saco – e traziam novidades ao contrário dos colegas marxistas (rs) que só reclamavam de tudo. Segundo, me tornei bolsista de IC e entrei num grupo de pesquisa em semiótica. Minha ideia era terminar o curso e ir para SP, achar meu lugar na “imprensa musical” (para a qual eu até frilei). No entanto, uma série de problemas familiares (doenças e um namorado que nunca se formava) me prenderam em POA.
Assim, um ano depois de formada eu efetivamente decidi entrar no Mestrado com a ideia de pesquisar cinema/audiovisual. Apresentei um artigo em um renomado congresso nacional específico da área sobre um filme que eu achava bacana, um filme cuja música era o epicentro. Ninguém comentou absolutamente nada sobre o meu texto, nem pra xingar, nem para fazer polêmica, nem para dizer que era um lixo. Foi uma deprê. Paralelo a isso eu trabalhava nessa área com alguns freelas e não me via passando a vida a debater sobre Glauber Rocha e outros cânones dessa área. Não era pra mim. Não foi consciente, mas retomei meu projeto de mestrado e acabei de uma forma um tanto tangencial falando sobre fãs. Um belo dia quando estava quase ao fim do mestrado (uma época muito difícil na minha vida pautada pela depressão e por uma sucessão de relacionamentos afetivos fracassados) decidi que tentaria o doutorado, afinal eu queria mesmo seguir na academia. Mesmo que nada estivesse dando muito certo naquele momento enquanto 60% dos meus colegas já dava aulas, tinha empregos no mercado e pareciam estar se encaminhando na vida.
Eis que num desses dias, Neuromancer do William Gibson cai na minha mão e assim surge meu projeto de doutorado. De forma completamente aleatória porque eu li algo sobre The Wanderer (uma canção do album obscuro Zooropa) e a relação dele com o livro e fui investigar. E assim entrei no doutorado, uma época igualmente complicada em que o país atravessava um período em que praticamente não haviam concursos em federais, tinham poucas bolsas, etc etc. Tudo muito diferente do cenário recente. Fiz doutorado com bolsa parcial , fazia freelas, traduções, me virava nos vinte e poucos enquanto meus colegas conseguiam empregos nas universidades particulares da região, compravam apartamentos, carros, viajavam nas férias de verão. Eu vivia uma vida com pouquíssima grana – não monástica porque não tenho menor vocação de não sair pra rua rs – e chegava a duvidar que conseguiria emplacar meu tema. Um dia, vou até a biblioteca e remexendo numa estante um livro da área de teoria literária literalmente cai no meu colo, um livro que continha um artigo que me ajudou a encontrar a hipótese da minha tese e que gerou um artigo com qual fui aceita pela primeira vez no congresso da Compós, que segundo diziam todos, era importante. Paralelo a isso, teve uma novela do doutorado-sanduiche em que eu quase não fui ( as bolsas eram muito escassas) e mais um monte de complicações que por si só dariam um livro, até coleguinha ironizando “pesquisar scifi” e burocracias que pareciam estar contra mim. No fim, acabei viajando e foi uma das melhores experiências que eu tive. Quando voltei ao Brasil começou a me bater o desespero, afinal o que eu faria da vida? Não haviam concursos, as contratações estavam escassas. O desespero batia a minha porta.
True life begins behind the border
That exists inside your head
You will never reach deep waters
And get away from there
Take a look around
And look at what you have
But you will never reach deep waters
If you do not change yourself
True Life – Lights of Euphoria
O fato é que defendi a tese e por mais uma dessas aleatoriedades da vida um mês depois disso estava em outra cidade, em outro estado, empregada em um PPG e morando junto com o namorado que na real eu conhecia muito pouco. Dali para adiante tudo estava resolvido? No way baby. Daquele dia em diante comecei a planejar a estar em um lugar melhor ou mesmo mais perto da familia e dos amigos. Apesar das dificuldades, fui sobrevivendo, criei redes com outros pesquisadores que admiro fora da cidade (aka centro do país) – , fiz amizades fora do circuito acadêmico, organizei festas, discotequei – e pasmem até ganhei alguns trocados com isso – enfim fiz um monte de coisas que alguns diziam não ser compatíveis com a “nova vida séria” que eu tinha. Fui julgada até porque usava uma pasta da Hello Kitty, o que convenhamos, nunca afetou minha produtividade #shoremhaters.
Enquanto isso, fui tocando as pesquisas e mirando num futuro, mirando em empregos melhores, trabalhando finais de semana, feriados, não tirava quase férias, tive 2 empregos por dois anos. Aos 34 anos e ao final do meu último ano naquela cidade obtive a Bolsa de Produtividade do CNPq. Mission almost accomplished. Obviamente tudo tem um custo e minha vida emocional – sanidade mental + casamento + amizades + familia – flopou das mais variadas formas imagináveis com direito a mortes, doenças e separação. Eu tinha 30 e poucos anos e postergava quase tudo. Tem tempo, deixa pra depois, não é o momento, vou enfiar a cara nesses pareceres, vou dar um curso no interior de sei la onde, vou dar uma palestra nos confins do brazyu. E assim seguia.
Após inúmeras tentativas, finalmente consegui mudar de cidade/emprego (e não era só mudar de emprego né, era pra alguma cidade com a qual eu tivesse mais afinidade e rumar para um PPG mais renomado com mais nota e que me permitisse captar mais recursos em editais, e uma série de outros itens. A régua havia subido). Fiquei feliz, afinal, meu plano havia dado certo – do alto da minha arrogância dos 30 e poucos achava que sim tudo tinha seguido meu plano. Em compensação havia uma cratera no meu RV – como dizia Sherry Turkle nos anos 90 para falar sobre o plano da vida offline, o Resto de Vida. E ai começou toda uma nova saga. De la para cá se passaram seis anos. Perdi minha mãe, fui pra terapia, me separei, comprei um apartamento (o lado “sonho classe média” rs que 90% dos meus colegas realizaram quando ninguém me deu emprego na minha terra natal foi finalmente resolvido) casei novamente – dessa vez de um jeito totalmente diferente – e fiz um pósdoc onde eu queria, provavelmente em uma das ultimas levas de bolsas para o exterior desse período “rhykho” das agências.
Confesso que à exceção do pósdoc que ja estava em um planejamento, todo o resto foi absolutamente singular. E mesmo as circunstâncias que me levaram a ele, a escolha do lugar, de tudo, acabou se dando de forma caótica e randômica. Talvez porque ao contrário do que eu pensava, fui sim fazendo pequenas desistências, como no momento em que larguei de mão minhas intenções de pesquisar cinema e me joguei de cabeça nas questões da cibercultura e dei sorte de estar ali quando uma subárea de estudos se formava. Eu desisti de algo para fazer outro. Foi doloroso, mas sei la. É preciso perceber nossos limites.É o que tenho pensado em relação ao meu modo de encarar a vida cheio de metas e objetivos tracejados. Talvez eles me dêem uma falsa sensação de segurança e no momento, me sinto um poço de dúvidas e hesitações Sempre tive muitas certezas e agora não, desconfio de tudo no qual um dia acreditei.
Tudo isso apenas porque outras questões me atormentam e me fazem pensar em desistir a respeito de decisões anteriormente fechadas.Como falei no início do post, minha “assim chamada” carreira já está mais ou menos delineada. – ok é dificil manter e à medida que o tempo passa outros objetivos vão surgindo mas as coisas estão constituídas. Também acredito que se um belo dia eu resolver sair disso, vou sair pela porta da frente e me jogar em algum outro abismo tendo certeza que dei minhas contribuições e elas foram suficientes para os meus propósitos.
O que trato aqui é sobre estar sempre pensando no desenho que “as vidas” da gente formam. Quando falo as vidas é porque não é uma só, são várias em um curto período de tempo. No meu caso, acho que foi o Pollock quem jogou umas tintas na tela, pois quando penso que está tudo estabilizado, algum lado resolve berrar ardentemente. E assim, talvez eu precise retroceder, relevar, deixar estar, rever o que deixei de lado e o que priorizei e ver que there´s no going back. Não é possível pegar uma TARDIS ou um De Lorean e voltar no tempo. O caos fez com que eu chegasse até aqui e talvez ele não permita que eu altere algumas estruturas já definidas em um determinado ponto sem que se quebre alguns cristais. Como em Suedehead do Morrissey: “I´m so sorry”. Eu realmente sinto muito. Eu queria ter desistido antes, ter desistido a tempo de não perder o baile. Mas, talvez não haja tempo suficiente em uma única vida humana para que a gente consiga preencher a maior parte das lacunas e dos desejos. Para um ego leonino e para alguém que odeia desistir – sou dessas que costuma ir até o fim – talvez isso seja um aprendizado extremamente doloroso. Talvez desistir seja também resistir e encontrar algum tipo de paz. Ou talvez todo mundo seja só trollado o tempo todo por essa bitch chamada vida que vem cobrar os débitos que julgávamos já ter pago. Tem dias que eu acho que deixei a comanda do bar do vida pendurada 20 anos atrás e agora ela veio cobrar tudo de uma só vez . De qualquer forma desistir também é parte do amontoado de aleatoriedades sem sentido que construímos para nós mesmos e talvez até nos salve de sentir menos dor.